quinta-feira

Das frases curtas no texto literário

A literatura está manca. Livros afora e computadores adentro, ela atravessa uma corrente de frases curtas até chegar ao mini-conto. Micro. E a coisa está tão diminuta que chegará o dia em que uma só palavra bastará e, pronto, conto! Tenho minhas suspeitas de que existem, secretamente, escritores procurando por ela, a palavra certa, aquela que, sozinha e absoluta, vagueia por aí a espera de ser o menor conto do mundo. O mais perfeito. O derradeiro amém.

Eu suspeito do marketing e da publicidade, mas talvez essa coisa de cortar pelo pé seja mesmo coisa de jornalista com seus lides e suas frases curtas e a velha mania de achar que não é de bom tom um vocabulário mais requintado, uma história mais robusta ou um texto mais complexo feito para ler em atenção, uma linha depois da outra, até que então ele se vá e se finde como se o tempo não passasse e de modo que uma frase tão longa quanto esta pudesse co-existir com outras, de outros tipos, em diversas situações.

Não há regra que se preste nem reza para qual eu queira me ajoelhar neste instante. Apenas declaro que cansei de ler escritores-jornalistas, escritores-literatos, escritores-bacharéis, escritores coisa e tal, publicitários e marqueteiros. Quando os leio, parece que é sempre a mesma narrativa, o mesmo mantra que se repete, e se repete, e se repete de modo curto, rasteiro, grosseiro e primário. Uma regra de faculdade: O gato subiu no telhado. Em cima do telhado o gato fez xixi na careca do vovô. A vovó ficou zangada e o gato caiu, quebrou a perna e morreu. A Lili foi pro quarto chorar porque Zinfrin era seu único amigo. Ela chorou até fazer setenta e oito anos e morreu dali cinco dias.

Tá! Há um exagero destinado ao irônico, admito. Mas quem foi que disse? Quem determinou que as letras deveriam sobreviver do estilo x, y ou z? Cansei do mesmo mote, da mesma forma, do mesmo pacote. Quero ler gente de verdade e não imitação. Quero uma voz própria que esteja distante de tanto academicismo, dos editores de plantão, do regime de escravidão. Quero ler escritor que o seja por natureza e não por jornalismo, letrismo, advocacismo ou judaísmo, e que estas categorias lhe sejam apenas uma extensão, não uma norma, um preceito, uma condição.

Quero que a palavra escrita saia de mãos destreinadas, desordeiras, incongruentes e sábias. Mãos sagazes, pensamentos soltos, escolhidos na melhor letra que me provoque, que me instigue, que me questione, que me diga algo que extrapole as fronteiras dos concursos literários, da literatura engajada, dos mecanicismos, dos críticos literários, das rezas, dos estudos acadêmicos e das editorias mercadológicas. Quero a liberdade. Quero a possibilidade de qualquer um vir a se tornar um escritor, se assim o desejar. E quero que haja pessoas que, antes de serem leitoras, sejam escritoras. Quero que a máxima de que o bom escritor deva ser, antes de tudo, um bom leitor se extinga para que, de fato, o novo surja como efeito da literatura ao deixar para trás fórmulas de sucesso, os mestres e os precursores. Existir apenas, de um eu e não um nós literário.