sexta-feira

Premio UBE


Há vários mundos dentro daquilo que se chama literatura. É que a sociedade se constitui assim mesmo, com seus guetos, pelos semelhantes, através das identificações, e também pelo oposto disso tudo, as diferenças, as distâncias, por aqueles que não têm tampas. Existe o conservador e o rebelde (literatura marginal?), o clássico e o moderno (contos de uma frase ou aforismos que valem um conto?), o sério e o irreverente (a crônica como gênero menor?), o mundo e o sub-mundo (literatura pulp feita de papel para os enjeitados?) e por aí adiante, o mundo acadêmico das letras, e sua gente (eu no dentro?).

Uma cerimônia feita em antítese. De um lado os premiados já com livros publicados. De outro, os autores de livros inéditos. O patrocínio da Petrobrás ainda estou esperando, já que custeei minha própria viagem, sem ajuda, sem nada, apenas com aquele banner estendido ao lado da mesa principal no auditório oficial. Perdi alguma coisa? Talvez. O garoto do Piauí foi com gosto, meio às pressas, confortavelmente, pertencia ao time dos com livros já publicados, aqueles escolhidos pela comissão julgadora sem conhecimento prévio dos autores, grana da Petrobrás? Só se foi para estes, não pude apurar, mas é fato que o dinheiro foi para alguém diferente dos inéditos. Nesta linha mais fraca, muitos de fora nem chegaram a ir, deixando os residentes do Rio de Janeiro a promessa da festa e aquele almoço por adesão no dia seguinte.

Está certo que existe uma putisse minha em relação ao prêmio. Primeiro pela falta de contato com a gente da organização. Recebi apenas um único telefonema, informando minha colocação, o provável dia da condecoração e aquele tom suspeito no ar: olha, minha querida, parabéns, vire-se para chegar ao Rio de Janeiro, já lhe disse o dia, anota o auditório. Da suspeita veio a certeza na medida em que, ao vasculhar a internet, nenhum telefone de contato com a União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro. A convicção do dane-se você, queridinha, veio com o telefonema para a sede de São Paulo, olha meu bem, lá não tem telefone, comunicamo-nos (no bom portugês) por email com o presidente. Passou o email, mas sempre voltava, como se os amarelinhos dos correios pudessem me dizer: foi e voltou, moça. Aham! Caixa postal cheia? Não sei. O que sei é que a estranheza permanecia com outros telefonemas e aquela falta de vontade para resolver o problema (que se repetia, e se repetia, e se repetia) da falta de contato, olha minha senhora, eu quero ir receber meu prêmio, mas preciso de mais informações, não tem como me ajudar? Não teve. Nova busca na internet e outra idéia. Por que não ligar diretamente na Academia Brasileira de Letras, local do evento? Um vão; de nada sabiam. Nada de telefones para contatos, veja bem minha senhora, eu quero ir receber meu prêmio, mas preciso de mais informações, não tem como me ajudar? Não teve. Na última idéia, algum resultado. Achar na lista o telefone da residência de alguém, daquele único nome que despontava no edital do concurso, o secretário da instituição, que foi muito simpático em receber meu alô fora de hora (será que você pode me ajudar?) em sua residência em Copacabana. Ajudou, na medida do que lhe era possível, confirmando o evento, a hora e a razão. E tem ajuda de custo? Veja bem, a literatura, você sabe como é... Sei, sei. Mas, e depois? E aquele cartaz estampado da Petrobrás? Onde será que eu perdi o bonde? Só me restou mesmo pegar aquele de Santa Tereza, aquele no Pão de Açúcar.

A cerimônia foi digna. Pessoas bem vestidas, solenes. Hino francês, hino brasileiro. Algumas palavras na oficialidade, um ou outro protocolo e, na vez de cada um subir e buscar seu certificado no estilo colação de grau, os aplausos dos familiares e amigos mais chegados que estavam na platéia, um ou outro cônjuge coruja, alguns membros da instituição, música nos intervalos para eliminar o cansaço. Minha vez, protocolo à risca, também na estica, pose para as fotografias.


É fato haver uma alegria contida. Uma felicidade, um reconhecimento. Para alguém que, em menos de dois anos, resolveu ser escritora e cronista; para alguém que montou apenas um único livro na vida, receber tal honraria por certo que é um motivo de muito orgulho. E tem a coisa da competição, não se pode negar, sempre há o gostinho daquele ouro, prata e bronze dos primeiro, segundo e terceiro lugares, aquela fila que chega depois, sabe-se lá com que critério ou julgamento, na exatidão da arte ou na inexistência dela. A tristeza fica por conta da mensagem subliminar do pouco caso que ainda se faz, não com a literatura, com as pessoas e seus valores. É que tem um povo tão grande, em quantidade, em espírito, em várias outras formas, espalhados por aí, que na falha, no furo, na falta, no “foda-se” (e como eu odeio essa concepção de “liga o foda-se e seja feliz” colocando todo o outro, que é a sociedade, na qualidade de menor, como se ela não fosse importante, como se não houvesse mais necessidade de respeito, como se tudo fosse uma coisa darwinista de que os mais fortes sobrevivem, e então os alunos não respeitam mais os professores – de quem é a responsabilidade desse país de iletrados? – e por aí vai, nesse egoísmo de vida tosco coroado com aquela ilusão “eu nasci sozinho”, mesmo com todo mundo ciente de que nenhum ser humano sobrevive ou se reconhece sem o outro depois do parto); no foda-se tudo parece um círculo vicioso daquele tipo eu finjo quê..., eles fingem também. Daí que a roda na mesmice continua e, no sistema, nada de novo.

A parte interessante ficou mesmo com as diferenças. Há literatura de todas as formas, e a acadêmica faz cerimônia, festa a rigor, terno, gravata, vestido longo e sapatos altos num lugar onde a idade revela a experiência, o respeito e a tradição, templo sagrado no qual as formalidades permanecem.

Os vencedores: Lúcia Freitas de Andradre, Jorge Luiz Lima de Souza, Ademir Moreno Aguilar, Avelina Maria Noronha de Almeida, Flávia Savary, Ângela Togeiro, Érika da Silveira Batista, Helton Reginaldo Cenci, Sérgio José Meurer, Celso Antônio Lopes da Silva, Anibal Albuquerque, Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, Pedro Pazelli, Márcia Regina de Araújo Duarte, Fernanda de Aragão e Ramirez, Alda Estellita Lins, Marcos Vinicius Quiroga, Amélia Alves, Marilda Oliveira, Getúlio Cardoso, Augusto Sérgio, Ana Helena Ribeiro, Olívia Barradas, Norma Guilhon, Emanuel de Moraes, Gabriel Nascente Beatriz R. Dutra, José Carlos Ribeiro, Marco Aurélio Baggio, Ítalo Suassuna, Emil de Castro, Diogo Mendes Souza, Patrícia Engel Secco, Edu Engel, Jorge Ariel Madrazo.